A B. era uma gaja parva que vivia no mesmo prédio do meu namorado (sim, fica desde já estabelecido que a gaja era parva que é para não terem ilusões). Na altura, andávamos todos na faculdade, já lá devem ir uns bons dez anos. À custa de uns bilhetinhos deixados no elevador, encetou conversa com um dos colegas do V. e em três tempos passou a ser presença habitual da casa deles.
Eu que até sou uma gaja simpática e sociável, confesso que inicialmente fiquei muito entusiasmada com a ideia de ter uma companhia feminina lá no pedaço. Mas o dito entusiasmo passou-me ao fim de cinco minutos de a conhecer (e não, não estou a exagerar). A B. viu-me imediatamente como um objecto de competição e começou a atacar ao primeiro minuto. Sem dó nem piedade.
Não me dirigia mais do que um bom dia ou boa noite, controlava a televisão, controlava a cozinha, controlava o sofá, fazia jantar na casa dela e convidava toda a gente, incluindo o meu namorado, excluindo-me expressamente... enfim, era assim a B. e eu optei por ignorar a sua existência. Porque a determinada altura, deixou realmente de me incomodar.
Ao fim de muito empenho e dedicação, a B. começou a namorar com o André, um dos colegas de casa do meu namorado e um dos melhores amigos dele, por sinal. Ninguém percebeu como é que um gajo tão fixe se apaixonou por uma gaja tão idiota (eu ainda hoje acho que ela o envenenou e ele continua sob o efeito de uma qualquer poção que ela fabrica clandestinamente) mas o que é certo é que dois anos depois, fui convidada para o casamento.
Até aqui, menos mal. A coisa muda de figura no dia em que a B. me liga para o telemóvel (mas se eu nunca lhe dei o número!), atrapalhadíssima porque a mãe tem um processo judicial e precisa muito que eu a represente. A B. pede encarecidamente. E pela primeira vez na vida é muito simpática e prestável. Pela milionésima vez na vida eu acho que era a altura certa para a mandar às urtigas. Ou outro lugar pior. Não o faço, por consideração ao marido.
O processo judicial foi decorrendo, eu aturei a B. vezes sem conta, aturei também a mãe da B., fiz o meu trabalho, o processo finalmente terminou. Enviei a respectiva nota de honorários.
A B. fica nitidamente aborrecida por eu lhe cobrar os meus serviços (grande lata a minha, não?). Diz secamente que vai fazer a transferência em breve e o grau de simpatia volta ao estado original.
Passado mais de um mês, ainda não deu notícias. Nem a mim, nem à minha conta bancária. E eu tenho vontade de fazer o que nunca fiz até hoje. E de lhe dizer o que nunca disse. E de desenterrar dez anos de raiva adormecida. Será tarde demais...?